Coleta e tratamento de dados: indo além da GDPR

No dia 25 de maio de 2018 entrou em vigor a GDPR (Regulamentação Geral de Proteção de Dados) da União Europeia, visando a fortalecer o direito à privacidade dos cidadãos europeus, e reforçando o conceito de que cada um deles é o único titular com pleno controle sobre seus dados pessoais.

Indo além do aspecto regulatório da GDPR, a atividade de coleta, armazenamento e processamento de dados, ainda carece de normas claras sobre sua tributação. O avanço de novas tecnologias como atividade principal ou elemento essencial nas atividades empresariais, de forma geral, está sempre vários passos adiante dos órgãos responsáveis por sua regulação.

Aplicações de big data e analytics: serviço ou software?

Algumas das atividades que dependem do tratamento e armazenamento de dados, sejam estes dados informações pessoais identificáveis (a PII – personal identifiable information, mencionada pela GDPR) ou não identificáveis, têm gerado dúvidas com relação ao tratamento tributário aplicável. A maneira como o resultado do processamento de dados é disponibilizado a seus clientes é determinante para entender a exploração dessa atividade no Brasil.

O resultado da análise e processamento de dados realizada pelas empresas, seja como um produto final ou como parte de um sistema mais complexo, é na grande maioria dos casos disponibilizado por meio de software.

Legislação e jurisprudência dividem os softwares como sendo software sob encomenda e software de prateleira. Com relação ao software sob encomenda, em que fica bem clara a prestação de um serviço, o entendimento majoritário é a de que haveria a incidência de ISS. Já em relação ao software de prateleira (não-customizável), elaborado para comercialização genérica, a discussão sobre a incidência do ICMS ou do ISS ainda está longe de ser pacificada. Se no passado, o ICMS era cobrado sobre o suporte físico em que o software de prateleira era posto para comercialização, as novas tecnologias de utilização e acesso ao software, sem necessidade de mídia de suporte, reabriu a questão da cobrança do ICMS.

São inúmeras as discussões sobre o tratamento tributário, dependendo do modo de acesso ao software, se por meio de mídia física, se por download ou se por cloud.

Grande parte das empresas que realizam a coleta, o processamento e o armazenamento de dados, disponibiliza sua base de dados ao usuário pelo acesso a software que se encontra em “nuvem”, na modalidade chamada SaaS (Software as a Service), em que, via de regra, não é necessário fazer download do software, instalar e atualizar hardwares ou softwares para acesso à base de dados.

Acesso via SaaS

Em se tratando de uma base de dados disponibilizada ao usuário via SaaS, a Solução de Consulta COSIT nº 11/2011 da Receita Federal, estabeleceu que a tributação aplicável para a atividade seria a mesma para licença de software: o entendimento do Fisco é de que o software na modalidade SaaS não é vendido ao usuário e não ingressa no seu patrimônio, na medida em que não há download e instalação. Como aquisição do direito de uso de uma ferramenta ou plataforma durante um determinado período, a tributação sobre serviços seria aplicável, e não o ICMS sobre venda de mercadoria.

Controvérsias: ISS ou ICMS?

A Solução de Consulta de 2011 não foi suficiente para resolver a questão do ISS ou ICMS. As Fazendas Estaduais, especialmente, têm adotado a distinção entre software de prateleira e software sob encomenda como fator para determinar o imposto incidente, independentemente da forma como é disponibilizado ao usuário (se em suporte físico, via download ou por meio de acesso à nuvem).

Há inúmeras disputas entre estados e municípios acerca da tributação de referidas operações, ou seja, se a disponibilização de serviços baseados em big data e analytics, por meio de SaaS, seria fato gerador do ISS ou ICMS.

Exemplo disso é o Convênio nº 106/2017, de 05 de outubro de 2017, que autoriza Estados e o Distrito Federal a legislarem sobre a incidência do ICMS nas operações com softwares e realizarem a respectiva cobrança a partir de 1º de abril de 2018. Assim, o Estado de São Paulo publicou o Decreto nº 63.099/2017 determinando referida cobrança sobre as transações envolvendo plataformas de software, seja no formato físico ou virtual. Merece destaque também a Decisão Normativa CAT nº 4 de 20 de setembro de 2017 que prevê que sobre o software não personalizado há incidência do ICMS, independentemente da forma de acesso ao conteúdo: via download ou na nuvem.

Por outro lado, o Município de São Paulo publicou o Parecer Normativo nº 01, em 18 de julho de 2017, relativo à incidência do ISS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de software, seja por meio físico, download, bem como quando instalados em servidor externo (SaaS). É entendimento do Município de São Paulo que tal atividade está sujeita ao ISS com base no item 1.05 da Lista de Serviços (licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação).

O judiciário vem sendo acionado para que o assunto seja analisado e referido conflito solucionado. Por ora, ainda não há precedentes que indiquem claramente uma tendência em como os serviços de processamento e análise de dados será tratada tributariamente. Parece-nos que o entendimento mais razoável e defensável, com base na natureza da atividade, e do sistema normativo do País, é a de que a atividade seja tributada como serviço, pelo ISS.

 

 

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